História

 

Em 1976, os engenheiros químicos e professores da Escola Politécnica da USP (EPUSP) George Kury Kachan e Gilberto Della Nina foram chamados pela UFSCar para assessorar, em tempo parcial, na implantação do DEQ/UFSCar. Logo em seguida tomou posse o primeiro docente em tempo integral do novo Departamento, por indicação dos assessores: o engenheiro químico recém-formado pela EPUSP, Newton Lima Neto. Ao longo dos cinco anos seguintes foram contratados vários outros professores, a maioria deles jovens recém formados (onze dos quais ainda hoje trabalham na UFSCar), cujas histórias profissionais se entrelaçam com a própria história do Departamento. Foram nove engenheiros químicos, três engenheiros de materiais, dois engenheiros mecânicos, um físico e um químico. No mesmo período foram contratados sete professores que já eram titulados (quatro deles ainda no DEQ/UFSCar), sendo quatro físicos, um químico, um engenheiro químico e um engenheiro mecânico. Havia uma política explícita de se construir um departamento híbrido, composto por profissionais com formações diversas. Ainda hoje, cerca de 1/3 do corpo docente é composto por profissionais que não são engenheiros químicos. Se o DEQ/UFSCar é considerado forte em fundamentos (termodinâmica, fenômenos de transporte, cinética química), queremos crer que isso se deve, em parte, à presença de profissionais como físicos e químicos desde a composição inicial do Departamento. Outro ponto fundamental, que definiu um perfil de qualidade para o departamento e o curso, foi sua política de contratação de docentes em tempo integral e dedicação exclusiva (DE). Daquele grupo inicial, todos os recém-formados e dois dos doutores já foram contratados nesse regime. Posteriormente, três outros doutores passaram de tempo parcial a DE, e desde 1985 o DEQ vem mantendo apenas um docente em tempo parcial em seus quadros, em disciplinas de projeto.

O primeiro vestibular para o curso de Engenharia Química da UFSCar foi realizado em Julho de 1976, oferecendo 30 vagas. A partir do vestibular de 1991, o número de vagas foi ampliado para 40, sendo novamente ampliado, em 1999, para 60. Até o momento (novembro 2005), 651 alunos graduaram-se engenheiros químicos na UFSCar. Hoje, atuam em posições de destaque em diversas áreas.

Os alunos que passaram por aqui foram muito importantes na construção da história de vida do DEQ – e vice-versa. Para José Luiz Zotin (EQ78), “o tempo que passei na UFSCar foi fundamental para formar uma base de conhecimentos sólida e desenvolver um espírito crítico que foram muito importantes para a minha carreira profissional”. Zotin trabalha atualmente como pesquisador sênior do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras. Mas parece que o tempo de estudante de EQ na UFSCar não foi bom apenas para sua carreira profissional: ele se casou com a ex-colega Fátima Zanon Zotin, atualmente professora e pesquisadora do curso de EQ da UERJ. Aliás, Cupido andava solto por aqui naqueles tempos. Outros ex-colegas das primeiras turmas do curso que se casaram foram Rubens Maciel Filho e Maria Regina Wolf Maciel. O casal integra o corpo docente da Faculdade de Engenharia Química da UNICAMP, em carreiras acadêmicas amplamente reconhecidas; professores titulares, ambos foram, em momentos distintos, Diretores da FEQ/UNICAMP. Para Rubens (também pró-reitor de extensão da UNICAMP e ex-presidente da ABEQ), “o curso de Engenharia Química possibilitou uma formação abrangente e ao mesmo tempo com o necessário fundamento que o profissional precisa ter. A metodologia de ensino adotada e o ambiente do Departamento contribuíram muito para a formação acadêmico-científica, com valorização para o raciocínio e geração de novas idéias”.

O primeiro plano diretor do DEQ foi elaborado em 1978-1979. As metas estabelecidas na ocasião nortearam seu desenvolvimento por décadas, e ajudam a entender o que é o Departamento hoje. Três dessas metas merecem destaque: a) o incentivo à titulação do corpo docente; b) a ênfase em aulas experimentais; e c) a opção pela pesquisa em produção de álcool e em alcoolquímica.

Durante toda a década de 1980 foi feito um grande esforço para permitir que todos os jovens professores se titulassem. Os poucos que já eram doutores não hesitaram em aumentar sua carga didática e assumir cargos burocráticos, de modo a permitir que os outros saíssem para fazer pós-graduação. Segundo José Teixeira Freire, um dos decanos do DEQ/UFSCar, o esforço valeu a pena: “É uma grande satisfação observar que aqueles jovens, que chegaram aqui como auxiliares de ensino, construíram sólidas carreiras acadêmicas, e hoje estão chegando à posição de professores titulares”. Já há alguns anos o DEQ tem um corpo docente formado exclusivamente por doutores.

A ênfase dada pelos pioneiros no aprendizado através de experimentos se tornaria uma espécie de “marca registrada” do curso de EQ da UFSCar. Optou-se por direcionar esforços e recursos para construção de um laboratório didático que atingisse os mais altos padrões de excelência. Assim, os primeiros recursos financeiros obtidos foram utilizados integralmente na construção dos laboratórios de fenômenos de transporte e operações unitárias. Os docentes “vibravam” com o laboratório didático, e dedicavam muitas horas ao projeto, construção e documentação dos kits de experimentos. Reconhecendo a qualidade desse trabalho, a CAPES financiou, em 1982 e 1987, cursos sobre aulas práticas para engenharia química, ministrados no DEQ/UFSCar para docentes de todo o Brasil. Hoje, como atividade de extensão, o DEQ fornece kits didáticos para diversas faculdades de Engenharia Química no Brasil.

Com base nesse forte enfoque experimental, o curso de EQ se consolidou rapidamente como um dos melhor avaliados nacionalmente, por todas as sistemáticas (desde as institucionais como o Provão, até o Guia do Estudante da Editora Abril e mesmo a avaliação da revista Playboy a qual, por estranho que pareça, durante alguns anos foi a única referência nacional de ampla divulgação avaliando cursos de graduação no país).

E o laboratório didático da EQ/UFSCar nunca parou de crescer! Logo se seguiram os laboratórios de reatores, de simulação e controle de processos, e o Laboratório Aberto de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Químicos. Construído com recursos do programa PADCT III da CAPES a partir de 1999, este é um laboratório multipropósito, com equipamentos de análise e unidades experimentais que permitem o estudo de vários processos industriais. Concepção inovadora para o ensino de Engenharia Química, no Laboratório Aberto os alunos não têm roteiros experimentais pré-estabelecidos. Ao contrário, a partir de uma idéia cujo conceito deve ser provado eles devem projetar e montar seus próprios experimentos, usando a infra-estrutura disponível.

Atualmente, com recursos do programa de internet avançada da FAPESP (TiDiA), alguns kits didáticos estão sendo instrumentados para poderem ser operados a distância, um projeto em cooperação com a EPUSP, a FEQ/UNICAMP e o IQ/USP-RP. No futuro, poderão ser oferecidas disciplinas experimentais com turmas compostas por alunos de diversas universidades.

Os laboratórios de pesquisa, utilizados pela pós-graduação, também têm crescido constantemente, graças a recursos de inúmeros projetos de pesquisa, provenientes de diversos órgãos de fomento como FAPESP, CNPq, CAPES e FINEP. Atualmente, os laboratórios de pesquisa ocupam uma área de aproximadamente 1920 m2 (área efetiva dos laboratórios de pesquisa, excluídas áreas comuns como lavatórios, copa, circulação e outras) e já foi aprovada, com recursos do terceiro edital do CT-INFRA da FINEP, a construção de mais 620 m2.

Aos leitores que pensam em visitar o DEQ/UFSCar, uma advertência: tanto docentes quanto discentes têm mania de levar visitantes para conhecer os laboratórios – algo parecido com aquela família que recém retornou de uma grande viagem, e que não pode deixar um visitante ir embora sem antes lhe mostrar as fotos!

A terceira meta estabelecida pelo plano diretor de 78/79 dizia respeito à opção pelo álcool/alcoolquímica. Na época do programa “Pró-álcool” do governo federal, e localizado no centro da maior região produtora de álcool e açúcar do mundo, o DEQ optou por ser um Departamento temático. A estrutura de pesquisa deveria ser coordenada (ao invés de pulverizada em vários grupos), e o etanol seria sua espinha dorsal. Com o passar dos anos, entretanto, os interesses e as competências foram naturalmente se diversificando, e cinco áreas de pesquisa, cada uma com sua própria estrutura, surgiram: Catálise, Bioquímica, Sistemas Particulados, Controle Ambiental e Simulação e Controle de Processos. Mesmo assim, pesquisas relacionadas à indústria sucro-alcooleira e à alcoolquímica sempre estiveram presentes em todas estas áreas – felizmente, pois este produto volta a ser estratégico no Brasil e no mundo!

Em 1998, uma reforma curricular incluiu na graduação a disciplina “Desenvolvimento de Processos Químicos” (conhecida internamente como DPQ) que se propõe a estudar, em dois semestres, aspectos do processo de fabricação do álcool e açúcar e as possibilidades da alcoolquímica, utilizando o laboratório aberto de processos. Esta disciplina tem tido uma grande aceitação entre os alunos que, no 4º ano, se sentem, pela primeira vez no curso, como engenheiros, atuando criticamente em um processo industrial.

Com a energia e dedicação que sempre foram marca característica do DEQ/UFSCar, os poucos doutores dos primeiros anos do departamento iniciaram o curso de Mestrado em Engenharia Química da UFSCar em 1982. O Doutorado iniciou suas atividades em 1990, já com um maior quadro docente titulado. Até janeiro de 2005, já tinham sido defendidas 247 dissertações e 91 teses. Assim como na graduação, o programa de pós-graduação em Engenharia Química da UFSCar sempre esteve avaliado pela CAPES entre os melhores do país, tendo atualmente nota 6.

A integração entre pesquisa e ensino sempre foi forte na EQ da UFSCar. O percentual de alunos do curso de Engenharia Química que fazem iniciação científica sempre esteve entre os mais altos do Brasil, e o COBEQ-IC, um dos únicos congressos de IC que publica artigos completos em anais, nasceu no DEQ/UFSCar, em 1995.

A estrutura da pesquisa também tem sido aproveitada pelos alunos no desenvolvimento de seus trabalhos graduação (TGs). O aluno defende o seu TG perante uma banca de pelo menos três pessoas. A importância que o curso dá aos TGs se reflete no fato de que muitos têm sido aceitos para publicação em anais de congressos como o COBEQ e o COBENGE.

Uma outra força do DEQ/UFSCar é o grupo PET (Programa de Educação Tutorial, financiado pela CAPES), que completou dez anos em 2005. O PET tem organizado inúmeros eventos, incluindo mini-cursos e palestras sobre as áreas de pesquisa para alunos de graduação, que ajudam a aproximar professores e alunos, calouros e veteranos, contribuindo para a melhoria do curso. O DEQ também aloja uma empresa Junior – a ENETEQ.

Por sua história de investimento na qualidade do ensino de graduação, o curso de EQ da UFSCar foi presença constante nas discussões sobre o ensino. Particularmente, docentes da UFSCar vêm participando ativamente de todos ENBEQs, Encontros sobre o Ensino de EQ no Brasil. E a postura inovadora do curso se mantém. Hoje, quando se discute o novo perfil da Engenharia Química no século XXI, com incorporação de um quarto campo de conhecimentos fundamentais, a Biologia, ao lado da Química, Física e Matemática, o curso se volta para as mesmas preocupações que são enfocadas nos centros de excelência internacional da área.

O DEQ não tem se omitido, também, sempre que chamado a colaborar com a universidade, outras instituições e a sociedade. Seus docentes, por exemplo, têm participado ativamente dos Comitês do CNPq e da CAPES, além do Conselho Superior e da Diretoria da ABEQ. A atual presidente da ABEQ é professora do DEQ, o qual também contribuiu com dois Reitores para a UFSCar (inclusive o atual, que também é presidente da ANDIFES) e com um prefeito de São Carlos, reeleito em 2004.

Reflexo do próprio amadurecimento de seus grupos de pesquisa, hoje o DEQ/UFSCar abriga vários trabalhos enfocando desenvolvimento e/ou transferência de tecnologia a empresas, institutos de pesquisa e agências governamentais. Desde companhias de energia como a Petrobras e empresas petroquímicas como a Oxiteno, até indústrias de produtos veterinários, como a Vallèe; desde institutos de pesquisa como o Butantan até agências como a CETESB, naturalmente passando por empresas sucro-alcooleiras, hoje o DEQ/UFSCar tem ampla gama de interações. Ainda jovem em seus 30 anos, ele já é um ponto de referência no Brasil em pesquisa e desenvolvimento na engenharia química e áreas correlatas. Destaque-se, entretanto, que sempre foi preservada a preocupação de envolver alunos, da graduação e pós-graduação, nessas atividades. Porque ensino e pesquisa de excelência estão indissociavelmente entrelaçados, sendo construídos e reconstruídos no dia a dia do trabalho na Universidade.

Essa é a proposta da EQ na UFSCar. Através de seu exercício cotidiano nessas três décadas, os cursos de graduação e pós-graduação decerto amadureceram, como também seus jovens fundadores. Mas, certamente, o espírito da instituição, se é que se pode falar em algo como isso, continua com o mesmo ímpeto dos primeiros anos.

Publicado originalmente na Revista Brasileira de Engenharia Química – Dezembro 2005 pelo Prof José Antonio Silveira Gonçalves